Conclusão do artigo “Sabia que um país com défice todos os anos pode ter as contas equilibradas?“
Num enquadramento de história económica recente, orientado para o caso português e europeu, notamos que na crise recente, combinaram-se vários efeitos negativos de consequências dramáticas no défice e na dívida. Um deles foi o fim do acesso ao mercado da dívida pública por parte de alguns países. Algo que foi fortemente impulsionado pelas declarações de Angela Merkel e Nicolas Sarkozy em 2010 quando afirmaram publicamente que, na Zona Euro, cada um era responsável pela sua dívida: não havia solidariedade dentro de uma zona monetária com moeda comum (ao contrário do que era intuído até ali pelos mercados).
Na sequência de tais declarações, e no meio de uma crise onde há dois anos se instalara um forte sentimento de desconfiança e se acumularam orientações erráticas no combate à crise por via da política económica comunitária, os famosos ratings degradaram-se rapidamente entre os países com maior fragilidade económica e/ou com mais problemas conjunturais (bolhas imobiliárias, crise de insolvência e/ou liquidez bancária, etc). Em larga medida, iniciou-se um processo de bola de neve, agravado por várias outras decisões internas à Zona Euro que conduziram à assunção pelo Estado de dívidas privadas e a uma política única de austeridade em todo o espaço europeu. Em pouco tempo, as falências soberanas tornaram-se inevitáveis e a disponibilidade de credores para comprar o défice que se gerava diminuiu. Foi como se a Zona Euro tivesse recuado ao dia anterior à sua formação em termos de avaliação de risco.
Ora, voltando à nossa questão, cada euro de dívida nova e antiga (quando chegava ao momento de a renegociar) passou a ser muito mais caro de vender a credores ou mesmo impossível de colocar no mercado. Por outro lado, a tentativa de reduzir rapidamente o défice por via da austeridade (reduzindo as necessidades de financiamento da máquina do Estado, os apoios sociais e as pensões) revelou-se e continua a revelar-se inglória sendo ela própria responsável por uma parte significativa do reforço do peso da dívida no PIB à conta dos efeitos de destruição da capacidade de gerar riqueza.
Nestes últimos anos, o défice em valor monetário cai ligeiramente mas cai mais devagar do que tem caído o PIB e a perspetiva de se obter financiamento direto nos mercados a um preço suportável continua a ser extremamente incerta e volúvel. Não por acaso, perante esta equação impossível de continuar a sustentar os níveis de dívida atual mantendo um regime democrático e alguma perspetiva de crescimento económico, se ouve de um lado quem reclame que se tem de reestruturar a dívida (alguma forma aliviar o custo anual da dívida) e, de outro lado, quem (como o Bundesbank – banco central alemão) procura alternativas criativas à austeridade que lhe parece agora condenada ao fracasso, nomeadamente obtendo essa “reestruturação” da dívida por via de um imposto global sobre a riqueza existente nos países mais endividados (depósitos, ações, etc). Não detalharemos esta segunda opção mas cumprida sem salvaguardas e sem compromissos internacionais duradouros (no fundo uma reforma institucional de monta na Zona Euro), revelar-se-ia o pior dos dois mundos, uma espécie de saída do euro só com a parte má.
Para concluir, o que queríamos sublinhar é que nesta história de dívida e défice, o que é fundamental é garantir por cada euro de dívida, a riqueza nacional aumente mais do que esse euro obtido a crédito, adicionado do respetivo juro a pagar. Nesse caso, o endividamento eterno não só não é problemático como é uma excelente ingrediente para dinamizar o crescimento. E, pasme-se pode até um país viver centenas de anos com défices crónicos a gerir a dívida…
Por outro lado, não podemos ignorar todos os fatores internos mas também externos que podem mudar radicalmente e num ápice a apreciação que os nossos credores têm ou podem ter da nossa capacidade de pagar a dívida. Qualquer sistema monetário, económico e político em que estejamos inseridos que possa reproduzir o que a Zona Euro gerou em 2010 (e ao longo de toda a esta crise até hoje), com uma violenta traição às expectativas de mercado, altera de forma dramática qualquer relação normal com o mercado da dívida e a gestão interna de um Estado soberano.
Em suma, saber investir e garantir um enquadramento político e institucional salubre são chave para o nosso futuro. É por aí que devemos avaliar os erros do passado e julgar as propostas de relações internacionais que tenhamos ou não disponíveis na União Europeia. Como se vê, os nossos problemas estão longe de se resumir ao mandamento da culpa da dívida ou das culpas exclusivamente nacionais. E o mandamento de que é preciso acabar com o défice, dito assim, sem o verdadeiro entendimento da utilidade do dinheiro e da sua aplicação, acaba por valer de muito pouco.
Bons negócios!