Por vezes ouve-se na praça pública que um país com um défice crónico durante anos, décadas ou mesmo séculos está condenado a estar permanentemente em desequilíbrio e a entrar em processo de falência. Nos dois artigos desta série pegamos nessa “verdade absoluta” para a desmontarmos e explicarmos de caminho o que é verdadeiramente relevante no processo de gestão do deve e haver de um estado soberano.
Intuitivamente parece impossível que um país que tenha défices orçamentais crónicos mais cedo ou mais tarde não entre em colapso financeiro, afinal todos os anos o défice aumenta a dívida. Mas o que é relevante, é o valor que se deve, ou a capacidade de pagar os juros e o capital? Geralmente quando falamos em défice público, ouvimos falar de uma percentagem e não tanto de um valor monetário. A percentagem de que se fala é o peso do défice na riqueza que se gera durante um ano. O mesmo sucede com a dívida; a dívida hoje anda pelos 130% da riqueza gerada em Portugal num dado ano, ou seja, é 130% do PIB.
E é aqui que temos o segredo para que a afirmação de que défices crónicos geram falência possa, em certos casos, estar errada.
Imagine que o défice aumenta em euros todos os anos (todos os anos nos endividamos) mas imagine que a riqueza produzida no país por ano, aumenta mais depressa. Nesse caso, o peso do défice no PIB e da dívida no PIB diminui, ano após ano. Ou seja, ano após ano o serviço da dívida será cada vez mais fácil de suportar porque a nossa riqueza (o bolo de onde vamos buscar os recursos para pagar o que devemos) está a crescer mais depressa do que a nossa dívida. Simples, não?
As contas só se complicam verdadeiramente se o défice e a dívida aumentarem de peso no PIB ou se por alguma razão a máquina fiscal (a que vai ao PIB cobrar impostos para pagar as dívidas) começar a funcionar pior. Mas esqueçamo-nos nesta prosa da eficácia da máquina fiscal e detenhamo-nos no resto. A complicação das contas pode acontecer por duas vias: por um lado o défice pode aumentar mais depressa do que cresce a riqueza gerada (como já vimos), por outro lado, mesmo que o défice abrande, se a riqueza anual se contrair (em vez de crescer), o peso do défice e da dívida tende a ser cada vez maior e mais difícil de suportar.
Fim da 1ª parte
Ah! Como Portugal está a crescer a 10% ao ano não temos de nos preocupar! 😉
Se bem depreendo do artigo, não há então problema de em termos absolutos, cada vez ter mais valor em dívida.
A mesma lógica se aplica então a uma família, que não terá problema nenhuma em gastar mais do que ganha em cada ano, desde que de ano para ano continue a aumentar o seu rendimento a uma taxa superior ao que aumenta as suas dívidas.
Bem, como sou optimista, e de certeza que no próximo ano vou ganhar mais do que neste ano, até porque é ilegal baixar salários, vou já falar com o meu banco para comprar aquele barco que sempre quis ter!
Vendo bem, Portugal poderia comprar mais um ou dois submarinos!
André, se o que tem em dívida pesar cada vez menos no rendimento, há margem para poder aumentar o crédito. Qual seria o problema? Na família seria a taxa de esforço, ainda que nas famílias haja outros fatores que tornam o paralelo pouco válido sendo frequente ler por aí disparates em supostas comparações intuitivas.
O mais importante é que o crédito induza o crescimento do rendimento isto para que o rendimento cresça novamente a um ritmo superior ao endividamento. Se a dívida começar a crescer mais depressa que o rendimento (se a taxa de esforço aumentar) então poderá haver um problema, a prazo, pois haverá um limiar acima do qual será insustentável. Dito isto, de onde se deduz que haveria ou não haveria problema nenhum em comprar mais submarinos?
No próximo artigo abordaremos algumas das situações concretas e recentes que geraram problemas procurando evitar – mais um vez – algumas ideia preconcebida que impedem de perceber bem as dinâmicas que contribuem para a gestão da dívida ser saudável ou problemática.
Acho o artigo muito interessante.