Classe Média - Dados de 2016

Novo código de trabalho – o caso da Autoeuropa

Tirando testemunhos da minha lavra e experiência, é raro aqui destacar os de outrém. Não é estilo, trata-se de um acaso. E por acaso, navegando pela vizinhança, chego a um testemunho de António Chora, coordenador da Comissão de Trabalhadores da Autoeuropa e operário naquela fábrica, difundido por Daniel Oliveira no seu blogue, que faz todo o sentido mencionar, sublinhar, publicitar.

O pretexto foi (e é) a pré-proposta de alteração a código de trabalho e as recentes declarações ministriais e dos demais parceiros da concertação social, alguns dos quais referindo a Autoeuropa como um exemplo de organização de trabalho e empresarial que só se disseminará por via de alterações legais significativas.

O testemunho de António Chora recentra a questão e torna evidente que, mais uma vez, o afã legislativo, esconde, atrasa e distrai do essencial que nos deveria ocupar e que pode desde já (desde ontem, para ser exacto) estar a fazer-se. Atentem nos detalhes. Ficam dois excertos  que não dispensam a leitura integral.

"Nos últimos dias várias referencias tem sido feitas ao acordo de 2003 na Autoeuropa a propósito das conclusões do livro branco para as relações laborais e da anunciada flexigurança.

Houve mesmo quem, com responsabilidades, tivesse garantido que face à lei actual o acordo que assinamos não seria legalmente possível. Não é verdade. Tal acordo de ilegal não tem nada. Baseado num acordo de não aumento salarial por dois anos (de 2003 a 2005), ele só foi possível porque as tabelas salariais da Autoeropa estão muito acima das negociadas com os sindicatos.

Ao contrário do que se tem dito, a Autoeuropa não tem adaptabilidade de horários. O que temos é a possibilidade de, havendo trabalho normal, trabalhar 230 dias por ano. Não havendo, o trabalhador fica em casa os dias que forem necessários, cobrando exactamente o mesmo. Não é simples de explicar mas tentarei: todos os anos temos direito a 22 dias “não trabalháveis”. São dias em que recebemos na mesma e podemos trabalhar ou não, conforme a empresa decida. Recebemos sempre. No fim do ano são feitos acertos. Houve, por exemplo, um ano em que ficámos 36 dias sem trabalhar e a receber. Os 14 dias que não estavam incluídos nos dias “não trabalháveis” passaram para o ano seguinte como dívida dos trabalhadores. O que quer isto dizer? Que no ano seguinte ficámos apenas com 8 dias “não trabalháveis” em vez de 22. Se o saldo for positivo (infelizmente ainda não aconteceu à maioria), a empresa paga por isso. E se o saldo for nulo, os trabalhadores recebem, na realidade, 15 meses de salário em vez de 14. É isto que se propõe para o resto das empresas? Não me parece. (…)

Qualquer activista sindical, principalmente os que estão dentro da empresa e que, por isso, dependem da empresa para o seu sustento, está em condições de avaliar, caso a caso, as necessidades de acordos sem interferências governamentais. Mas para isso tem de receber informação e saber passar essa informação para os trabalhadores, discutindo-a com eles, para estar certo de que contará com o seu apoio quando chega e quando não chega a acordo com a administração.

Só que todos sabemos que os patrões portugueses e os administradores da maioria das multinacionais aqui implantadas não querem dar este salto: partilhar informação com as estruturas representativas dos trabalhadores. Preferem continuar, em pleno século XXI, a portar-se como pequenos ditadores, escondendo a situação da empresa, deturpando a informação que dão aos sindicatos e às Comissões de Trabalhadores, trocando a negociação pela imposição, não cumprindo os acordos firmados. É isto e não a lei vigente que leva à desconfiança e a situações de conflito inultrapassáveis dentro das empresas. (…)"

Continua aqui: Querem mesmo aprender com a Autoeuropa?

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