Não há no mundo nenhum sistema de redistribuição de rendimentos justo, pelo menos inteiramente. A justiça nestas matérias deve ser um objectivo permanente e não uma exigência utópica sem a qual se possa argumentar sem mais que “então não vale a pena”. Devemos estar sempre preparados para admitir alguma percentagem de abuso. A palavra-chave aqui é precisamente saber qual essa percentagem. E aí cada sociedade terá a sua. Há quem diga até que depende se se é mais de esquerda ou de direita em termos políticos; pessoalmente parece-me um raciocínio demasiado simplista.
Vem isto a propósito da utilização da recolha de um imposto sobre o rendimento onde se faz política social para “questões cirúrgicas” como sejam a discriminação positiva de certo tipo de agregados familiares.
O legislador acreditou no passado e continua a acreditar ainda hoje, que conhecer o estado civil dos contribuintes é determinante para os tornar elegíveis, ou não, para determinados abatimentos à colecta.
Sabendo o Estado e o legislador que há tipicamente um risco mais elevado de pobreza em agregados formados por pais solteiros, resolveu simplificar o seu trabalho e assumiu que estar casado com filhos significava estar menos sujeito ao risco de desfavorecimento, por oposição às famílias que enfrentam divórcios ou separações tendo filhos a cargo.
Há relativamente pouco tempo, o divórcio era coisa rara até mesmo extremamente difícil de se obter em Portugal. Até há bem pouco tempo, a constituição de uma família sem que houvesse desde logo um casamento, uma união formal, era socialmente inaceitável e apenas reservado aos audaciosos pouco católicos.
Hoje a realidade é bem diferente. Particularmente, nos grandes centros urbanos, o casamento deixou de ser uma imposição cultural e social e, em algumas situações, a maternidade sem parceiro chega mesmo a ser uma opção desejada e não uma “fatalidade” da condição humana. Contudo, o sistema fiscal continua a aceitar a qualificação do Estado Civil de quem tem uma criança a cargo como a melhor aproximação possível para identificar situações que mereçam apoio social do Estado.
Mas de que estamos a falar em concreto? Estamos a falar por exemplo dos abatimentos à colecta que um pai (ou mãe), divorciados, podem passar a fazer caso paguem pensão de alimentos ao outro pai que ficou com a custódia do filho. Aparentemente, o prémio que o Estado está a dar a quem esteja nestas situações é de tal forma elevado que está a levar alguns casais a divorciarem-se, formalmente, por razões de gestão fiscal. A poupança, dependendo dos rendimentos, pode ir, segundo o Fórum Família – que está a patrocinar uma petição para que se acabe que a discriminação por via do estado civil – dos 1200€ para rendimentos brutos anuais conjuntos dos pais (um titular com uma criança) de 18000€, até aos 5000€ para separações de casais com dois titulares que aufiram em conjunto 48000€ por ano. Eis o ficheiro recebido por mail com várias simulações; não tive oportunidade de validar: Poupança IRS – pensão alimentos.
Pessoalmente, conheço dois casos de casais que optaram por esta via estando agora na prática a entregar declarações separadas, em que um se apresenta como mãe solteira e o outro como pai que ajuda mensalmente na educação e criação do filho pagando a pensão de alimentos. Continuam casadíssimos aos olhos de Deus… E a morada fiscal de um deles não é de facto a sua residência.
Olhando para a situação, parece evidente que, a cada ano que passa, o espírito e objectivo da lei fiscal está a afastar-se das suas consequências práticas e, a menos que o Estado se decida a ir a casa de cada um, talvez colocando umas escutas, para averiguar da efectiva ausência de economia comum e matrimonial – a partir de quantas visitas nocturnas à ex-mulher estaremos perante um ilícito fiscal? -, era bom que se arrepiasse caminho e que se encontrasse uma forma mais justa e económica de apoiar efectivamente as famílias carenciadas. Talvez até tendo como consequência uma redução generalizada do imposto sobre o rendimento a pagar.
Fica a dica de poupança, para o Estado. Entretanto, o Fórum Família, ameaça veladamente com a possibilidade de os casais com filhos declararem em massa que estão separados, “a dar um tempo”.