Como já tínhamos aqui avançado e comentado, há uma clara discrepância entre os valores conhecidos para o IPC até Setembro e a previsão para a inflação em 2007 efectuada pelo Ministério das Finanças. Este último prevê uma variação de 2,5% para o IPC em 2006, mas a média dos últimos 12 meses até Setembro situa-se já em 3,1%.
O Público num artigo de hoje dá conta da revisão do IPC e do seu impacto nas premissas do OE 2007 (ligação indisponível), dando também nota das declarações da UGT e da CGTP. Extraordinária considero a declaração do Ministro das Finanças que disse na apresentação do OE 2007 que “a revisão não terá qualquer impacto sobre a previsão do orçamento para a inflação em 2007“. Há sempre um efeito de carry-over nas previsões da inflação, por pequeno que possa ser.
O INE alterou método de cálculo da inflação – e o novo valor é bastante mais alto que o previsto pelo Governo no orçamento.
A taxa de inflação em 2006 vai ser de pelo menos três por cento. O diagnóstico é das centrais sindicais, que se baseiam na série revista do Índice de Preços no Consumidor (IPC) do Instituto Nacional de Estatística (INE) – que apurou um valor de 3,1 por cento para a inflação média dos últimos doze meses até Setembro. Este valor é substancialmente mais alto que o contido no Orçamento do Estado para 2007 – em que o Governo usa a série antiga, e prevê uma taxa de 2,5 por cento.
A mudança na forma de medir a variação do custo de vida deve ter implicações na política de rendimentos, argumentam as duas centrais sindicais. “Tudo aponta para que a inflação não seja inferior a três por cento este ano”, valor que será atingido “mesmo que não haja aumento de preços no último trimestre”, refere uma nota ontem divulgada pela CGTP. Na véspera, a UGT manifestara a convicção de que a inflação se situará “claramente acima de todas as previsões, mesmo das mais recentes”. Os cálculos da UGT indicam que se os preços estagnassem nos próximos meses a taxa seria de 3 por cento; se tiverem um comportamento idêntico ao de 2005 será ainda maior: 3,2 por cento. “A inflação vai ser superior ao valor previsto pelo Governo, que foi utilizado como referência na actualização de prestações e de salários; o conhecimento desta mudança ocorre num momento em que as negociações salariais de 2006 estão praticamente encerradas”, assinala a CGTP, que considera necessário ter em conta “as implicações” da mudança de método na política de rendimentos. A UGT refere que “a política de rendimentos e a negociação colectiva têm vindo a desenvolver-se com base em valores da inflação distintos dos actuais”, e lamenta que “só agora sejam conhecidos os novos valores”. O secretário-geral, João Proença, reclamou na segunda-feira que o salário mínimo (agora nos 385,9 euros) seja actualizado de acordo com as novas estimativas. Para os sindicatos da função pública, a revisão da inflação estará em cima da mesa na próxima ronda de negociações com o Governo, na sexta-feira. “Vamos apresentar os dados novos” , disse ao PÚBLICO Ana Avoila, da Frente Comum dos Sindicatos da Administração Pública (CGTP). Bettencourt Picanço, do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado (UGT), não se mostrou surpreendido: “Já era nossa suspeita que o Governo estava a fazer projecções para baixar as expectativas dos trabalhadores na negociação.” A outra organização da UGT no sector, a Fesap, manifestou-se preocupada porque, disse Nobre dos Santos, “vai criar uma perda de poder de compra superior ao previsto”.”
O porquê da mudança Mas por que é que o INE reviu os seus índices de preços (IPC e IHPC, índice harmonizado que permite comparações entre países da zona euro)? Em Janeiro, o INE passou a adoptar “para a esmagadora maioria dos produtos de vestuário e calçado” um novo esquema de recolha de preços: em vez de uma rotação trimestral da amostra de preços, uma rotação mensal. Questionado pelo PÚBLICO, o INE esclareceu que o objectivo era “adequar melhor o indicador aos requisitos estabelecidos pelos regulamentos” comunitários. Desde Janeiro, verificou-se contudo que as variações de preços de vestuário e calçado eram muito baixas – às vezes negativas. A mudança havia sido “monitorizada ao longo de 2006”; a comparação entre os resultados obtidos com a série antiga e a série nova levou o INE a concluir que era necessário introduzir “ajustamentos”. Esses “ajustamentos” significam que agora o IPC mede com mais precisão a variação dos preços do vestuário e do calçado. A diferença mensal não é muito significativa – mas o efeito acumulado tem significado. Pelo IPC “antigo”, a taxa de inflação seria de 2,7 por cento em Agosto. Pelo IPC “revisto”, seria de 3,1 por cento. Porque é que o INE só divulgou os valores da série revista no dia de apresentação do OE? A divulgação dos destaques tem um calendário pré-definido; quanto ao mês, o INE respondeu que “só era possível [divulgar] agora, após a conclusão das duas épocas de saldos anuais”, que permitisse comparar as duas séries. Na apresentação da sua proposta de orçamento, o ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, disse que os novos dados não foram incorporados nas previsões orçamentais: “Só tomei conhecimento disto hoje [segunda-feira].” O ministro disse ainda que a revisão “não terá qualquer impacto” sobre a previsão do orçamento para a inflação em 2007 – que é de 2,1 por cento. O PÚBLICO procurou contactar ontem o Ministério das Finanças, mas não conseguiu obter resposta até à hora de fecho desta edição.