E se o “polícia” deixasse de receber parte das multas

Em meados de janeiro de 2018, a Provedoria de Justiça emitiu um parecer no qual se pronuncia de forma crítica sobre o facto da EMEL – Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa financiar parcialmente a sua existência com as multas ou contraordenações que impõem aos condutores mais e menos relapsos de partes do código da estrada.

A provedoria estabelece um paralelo (ou a falta dele, na realidade) com as empresas concessionárias privadas de espaços de estacionamento que estão proibidas por lei de ficar com o produto total ou parcial das multas aplicadas aos condutores nos seus estacionamentos. No caso das empresas públicas, essa proibição não se está a aplicar mas, na opinião da Provedoria de Justiça, o conflito de interesses é idêntico tal como a natureza da situação pelo que se deveria aplicar.

Esta não é contudo a única situação onde a instituição que tem a responsabilidade de investigar e/ou identificar prevaricadores e passar coimas, multas, contraordenações recebe parte do quinhão pago pelos infratores.
Na realidade a regra em muitos enquadramentos legais é mais esta – quem pune tem um interesse económico direto sobre as penalizações que aplica – do que outra que evite a existência de um incentivo à punição que possa desalinhar o dever de fazer cumprir a lei do interesse económico da autoridade com poder para definir quem é punido.

Esta questão levará certamente a argumentos prós e contra relevantes, contudo, feita a devida ponderação, estamos em crer que é sempre desaconselhável que haja um incentivo direto, monetário, potencialmente associado a práticas de “caça à multa” que, para não se tornar numa má prática, tenha que funcionar como teste permanente e diário à verticalidade ética e legal da autoridade que autua. Ela estará já sempre à prova, não precisará que se aumente a fasquia com notas de €uro.

Nem polícias, nem autoridades para-policiais ou com poder de autuar ou passar contraordenações como a EMEL ou como as entidade reguladores, para dar apenas alguns exemplos, deveriam ver injetados nos seus orçamentos ou mesmo nos salários dos agentes autuantes, verbas diretamente associadas ao produto das multas e contraordenações produzidas.

Será sempre recomendável, pelo menos, introduzir graus de distanciamento que impeçam que no ato de emitir uma multa alguém esteja consciente ou inconscientemente a fazer contas a quanto é que vai “ganhar” com isso.

Com um pouco de criatividade, sentido de justiça e prudência, haverá muito melhores formas de incentivar a produtividade e o dever de fazer cumprir a lei sem termos de andar a gerir este desconfortável compromisso de dar a quem tem poder para punir uma parte do produto dessa punição e esperar que se mantenha sempre isento e cego na aplicação da lei.

Qual a sua opinião?

Sobre a posição da Provedoria de Justiça ver esta peça do Negócios.

3 comentários

  1. Acho um absurdo estes indevidos da Emel da Câmara Municipal de Lisboa passarem multas uma vez que a policia é que deveria passar as respetivas e fazer o trabalho deles . Estes senhores na minha opinião da Emel não tem qualquer poder de autoridade para o fazer senão passa a ser todos policias da treta.

  2. É uma vergonha o que se passa com a distribuição de parte do valor das multas pelos agentes, o que, aliás, é ilegal e inconstitucional, mas de nada vale essa ilegalidade pois que ninguém reage dados os custos dessa reacção de valor superior ao da multa e de retorno duvidoso.

  3. Dá-se uns troquitos a alguns para que outros maiores encham os bolsos, e assim vai este país, uma pura vergonha, mas vemos todos os dias os nossos (queridos políticos) com a boca cheia de igualdade, justiça, democracia, blá blá blá.

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