Bundesbank: e se usássemos os depósitos a prazo para pagar a dívida pública?

O Bundesbank – banco central alemão – defendeu recentemente que uma forma muito menos dolorosa de se conseguir trazer a dívida  pública dos países mais endividados para um nível que lhes permitisse encarar o futuro sem a perpetiva sombria de que a dívida é tão elevada que qualquer ganho na economia será imediatamente sorvido pelos respetivos juros seria lançar não um longo e moroso programa de austeridade de eficácia muito duvidosa mas antes lançar um imposto especial único. Este imposto especial único teria então o condão de limpar de uma vez uma parte significativa da dívida. Mas… de onde viria esse dinheiro? Segundo o Bundesbank dever-se-ia recorrer aos mais ricos, aos que têm mais posses.

Estaremos nós a perceber mal a ideia ou a sugestão é, por exemplo em Portugal, pegar numa parte substancial dos cerca de € 150 mil milhões de euros que os portugueses e empresas a operar em Portugal têm depositados e usar essas verbas para fazer o “bail-in” ao Estado? E mesmo que não seja por essa via, um impostos especial para ter impacto significativo teria de ser algo de dimensão verdadeiramente colossal. Serviria de lição duradoura (castigo) para que aprendessemos a não cair nos erros do passado não tendo de recorrer a dinheiro alheio, insiste o Bundesbank naquilo que nos parece uma inacreditável e intelectualmente desonesta simplificação da história económica recente da União Monetária inaceitável, vinda de quem é bem mais do que um simples agente iniciado em termos financeiros.

Naturalmente, a pura referência a uma tal ideia, hoje, volvidos vários anos de ajustamento, centrados exclusivamente num processo de austeridade unilateral sobre a periferia, sem o desejável incremento do consumo privado no centro da Europa, encomendada e defendida pelo próprio Bundesbank, é, no mínimo, incompreensível.

Sem nos determos em mais considerandos ou cairmos em moralismos (o que não seria desapropriado, face ao que está em causa, sublinhemos), a simples referência a esta hipótese pode em si conduzir a um processo dramático de implosão do sistema financeiro da periferia, assim os aforradores acreditassem que esta sugestão do todo poderoso Bundesbank pudesse vir a ganhar apoiantes. É que, racionalmente, perante este cenário onde nenhuma forma de acumulação de capital privado estaria a salvo de uma expropriação total ou parcial, a atitude racional dos aforradores será a de deslocalizar o mais depressa possível toda a poupança que detenham na periferia. O que se adivinha da proposta é, efetivamente, a expropriação de depósitos a prazo, valores mobiliários e, quem sabe, imobiliários para injetar diretamente nos titulares da dívida pública, preferencialmente (desconfiamos nós) não residentes nos respetivos territórios nacionais dos países mais endividados.

Ironicamente, mais uma vez, esta proposta é mais um exemplo de promover a saída do Euro de facto sem sair por lei. O que o Bundesbank sugere é tomar o comprimido que teríamos de tomar numa saída desordenada da zona euro sem poder beneficiar do que amenizaria essa mesma saída – uma natural desvalorização cambial favorável ao nosso comércio externo e uma maior autonomia e controlo dos instrumentos de política económica, fiscal e monetária.

Em suma, os sinais de insustentabilidade a médio e longo prazo do projeto de moeda única continuam fortemente presentes na praça pública. Era bom que atuais e futuros governantes, bem como a população percebessem exatamente isso.

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