Troco não ser despedido por que percentagem do meu salário?

Um dos artigos anteriores não é de todo consensual (vejam o texto e os comentários em “Despedimentos na Função Pública – um cenário cada vez mais provável? (act. II)“). Quem se acha mal pago a trabalhar no Estado e/ou sem grandes perspectivas de vir a melhorar significativamente o seu nível de vida e de realização profissional nesse emprego e vê aberta a perspectiva de, em cima disso, poder ser tão facilmente despedido quanto se estivesse a trabalhar no sector privado pode muito bem olhar para a sua carreira e procurar perceber porque é que não tenta mudar de vida.

Afinal, ter estabilidade no emprego, quase o emprego para toda a vida, há-de ter um valor qualquer que se pode converter num menor salário, ou seja, “eu aceito receber menos no Estado se tiver emprego garantido“. E se em breve mudarem as regras do jogo e estas passarem a ser menos salário e a mesma precariedade?

A menos que haja um exercito de desempregados disponível (e por estes dias com mais de 10% de desempregados é bem possível que haja) o Estado corre o risco de ficar eternamente condenado a conseguir cativar apenas muito fugazmente os mais competentes e de forma crónica, apenas os menos competentes ou mobilizados. A tendência corrente é a de progressiva perda de competitividade do Estado por via dos salários, com os previsíveis congelamentos e/ou reduções salariais que poderão estar na calha. Ora se o Estado português generalizar a possibilidade de despedimento, a prazo terá de atenuar as diferenças salariais que venham a ocorrer em desfavor dos funcionários públicos. Menos funcionários, mais bem pagos e com maior estabilidade quanto às expectativas contratuais, que não poderão oscilar a cada novo orçamento e governo. Funcionários que se espera consigam assim ser significativamente mais produtivos e motivados. Esta terá de ser pelo menos parte da fórmula de futuro.

Nada disto é verdadeiramente novo. Quase sempre que o Estado teve necessidade de concorrer de forma mais eficaz e duradoura no mercado de trabalho, criou instituições com contrato individual de trabalho, em tese, com real possibilidade de despedimento. Dizemos quase sempre porque por vezes, é questionável o sistemático recurso à contratação de estudos e pareceres externos, tipicamente mais caros e menos compensadores em termos de conhecimento adquirido e mantido.

Dito isto, não esquecemos naturalmente os riscos desta generalização. Recordamos, por exemplo, as situações de captura corporativa do poder político que também existem. É muito difícil aceitar como natural o nível remuneratório que existe presentemente no Estado em algumas classes profissionais com estatuto especial (no activo e em regime de aposentadoria). Situações mais herdadas do que promovidas por algumas reformas entretanto feitas nos tempos mais próximos, mas ainda assim vigentes. Notem bem, a decisão final sobre as políticas não recai sobre quem delas beneficia mas sobre quem as estabeleceu no uso do poder político, ainda assim de pouco serve esta verdade perante a insustentabilidade reinante. Serve apenas para reforçar a importância dos pilares do futuro acima enunciados.

Enfim, fica o tema para discussão procurando estimular que se considerem várias opções e não apenas o pensamento monolítico ou, quando muito, bivariado entre esquerda e direita que vamos tendo, a espaços.

4 comentários

  1. Sendo funcionário público, só vou referir-me ao que sei.
    Regra geral, quem entra na função pública, nas categorias mais baixas dos diversos serviços, serão aqueles que procuram estabilidade em detrimento de salários mais elevados. O mesmo já não se passará para funções de chefia de cargos públicos, pois são mais disputados, entre uma mistura de:
    – Procura de quadros qualificados por parte da Administração Central
    – Atribuição de “tachos” a membros de partidos e familiares
    E quem é que procura essa estabilidade, nas categorias mais baixas?
    Novamente, regra geral, são as pessoas menos qualificadas/motivadas, que vêem na função pública a única opção de emprego, seja pelas baixas qualificações pessoais, seja pela escassez de emprego na zona de residência.
    Eu vejo isto passar-se nas forças de segurança, onde me incluo. Apesar de ser um emprego do Estado, com estabilidade, o salário não atrai elementos mais qualificados, devido ao:
    – Risco inerente à profissão
    – A obrigação de estar deslocado do local de residência, pois a grande maioria são provindos de zonas mais desfavorecidas, no norte, interior, Alentejo, entre outras. Raramente vêm de centros urbanos, pois esses têm mais qualificação e procuram empregos mais vantajosos.
    Sempre que abre concurso para novos elementos policiais, para 1000 vagas aparecem 3000 candidatos. Obviamente que o critério de selecção não será o melhor. O mesmo se passará em outros sectores do Estado.

  2. Penso que o estado tem pelo menos três vias para compensar quem trabalha para ele: salário, estabilidade e prestígio/satisfação.
    No salário o estado tem dificuldades em competir com os privados.
    Na estabilidade o estado pode já ter vantagem dado que trabalha num sector protegido e muito menos sujeito a volatilidades. A maioria dos serviços do estado podem ser planeados com anos de avanço. Salvo situações excepcionais, as necessidades de segurança, saúde, educação, etc., são bastante previsíveis. isto ao contrário de outros sectores da economia muito sujeitos aos ciclos económicos. Logo se o estado for minimamente bem gerido pode garantir estabilidade sem grandes problemas.
    No prestígio/satisfação o estado pode ter vantagem. Poucas instituições têm a possibilidade de se apresentarem como estando ao serviço do bem comum, ao serviço de todos e o estado pode ainda aproveitar a sua influência para dar aos seus funcionários algumas distinções de prestígio a custo praticamente zero.
    Nestas condições parece-me que o estado poderá sempre assegurar a colaboração dos funcionários de que necessitar, competindo mesmo com os privados no recrutamento dos melhores.
    Porque é que surgem então as dificuldades?
    Por um lado o estado comporta-se de forma irracional na contratação, não tendo qualquer tipo de planeamento pelo que tanto contrata a mais em certos sectores como se esquece de garantir as necessidades noutros. E contratações a mais custam obviamente muito dinheiro.
    Por outro lado, para ganhar pequenas vantagens negociais, o mais altos dirigentes do estado não só não prestigiam o funcionalismo como o degradam a um nível que não vejo em grandes grupos privados. Ora este desperdício de prestígio/satisfação paga-se caro, seja no afastamento dos melhores, seja na necessidade de mais dinheiro para manter os que estão ou contratar novos.

  3. Há algo de profundamente preocupante na discussão da empregabilidade no sector público e no sector privado, e que no essencial, passa pela associação da flexibilidade à maior competitividade, dado que os pressupostos de que pare vão até ao ponto de admitir a selvajaria que, nos séculos XVIII e XIX fez escola e vítimas um pouco por todo o mundo industrializado de então.
    Discutir o tema sem delimitar as fronteiras do razoável bem como por em perigo direitos elementares da dignidade humana é inadmissível, a não ser para que aqueles desprovidos de consciência ou já sem qualquer espécie de crivo moral, tudo seja plausível em nome do “mercado” e de um produtivismo selvagem. Este é o pensamento vigente em mentes que aparentam ser ilustres mas na realidade, por não serem afectadas pelas consequências dessa visão mas antes serem vorazes beneficiários, encarrilham por tal postura sem peso de consciência, pois em boa verdade a juntar a falta de valores à falta de massa cinzenta resulta em tais meninges uma combinação perfeita!
    A ocupação e o trabalho, público ou privado, são essenciais à sobrevivência e à dignificação dos seres humanos, e devem ser altamente promovidos pelas sociedades, em condições condignas, de alguma estabilidade e claro de modo qualificante e eficiente, ou com uma elevada utilidade social, mas jamais subordinando-os a valores parasitas, nem promotores do dumping económico e social, como se quer fazer vingar, ou ainda pior, sumbergindo-os à exploração total à guisa de séculos transactos. Se assim for decerto que, quer se queira quer não, mais tarde ou mais cedo eclodirão novos conflitos, pois alguns dirão que já basta de “triunfo dos porcos”!

  4. No Estado português muita da improdutividade no sector público, mas também no privado, reside mais na falta da capacidade de gestão e organização das lideranças do que na incapacidade dos trabalhadores. Estudos empíricos já o vieram trazer a lume. Acresce, no sector público, que ao contrário de uma administração pública autónoma e profissionalizante se preferiu uma partidarização que coloniza vários níveis, em nome de interesses duvidosos e altamente desprovida de sentido público, que, piora grandemente a qualidade dos bens e serviços prestados aos cidadãos.
    Acresce que a disparidade salarial entre os trabalhadores e dirigentes aumenta, sendo que a falta de capacidade das lideranças é muito mais gritante do que a dos trabalhadores, o que ainda vem agravar mais o problema.
    O poder político como se demite da direcção da coisas pública e usa um discurso dúbio e divisivo, quando não mesmo de ataque frontal ao braço executivo da sua acção, desqualifica e desmotiva, de facto, quem trabalha em favor de quem lhe dá os amens e piora ainda mais o panorama traçado!
    Os instrumentos legislativos de modernização da administração na prática são utilizados de forma muito arbitrária, tendenciosa e fomentando a instabilidade dos recursos humanos.

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