Da inimputabilidade bancária sobre os produtos que vende

João Pinto e Castro demonstra hoje no seu Bl-g- -x-st- o poder da metáfora pegando na responsabilização (ou falta dela) dos intermediários financeiros. Leitura indispensável, digo eu. Eis um excerto:

“(…) Quando uma empresa vende croquetes estragados pode ser penalizada por esse facto e obrigada a indemnizar os consumidores. Se não sabe que comprou carne avariada, deveria saber. Pelo contrário, um banco que vende instrumentos de investimento inquinados não é forçado a assumir a responsabilidade perante os seus clientes.

No primeiro caso, a vigarice é castigada, quando não fiscalizada preventivamente pelas ASAE da vida; no segundo, é protegida por entidades reguladoras enfarpeladas e bem-falantes como a Reserva Federal norte-americana. (…)”

10 comentários

  1. Não seja anjinho, Tarzan.
    O ponto do João é bem claro. O que está em causa não é a existência de risco mas a indicação grosseira do nível de risco associado a cada produto.
    Dizer-se que um fundo é de risco baixo porque é composto por credito hipotecário não basta. O que sucedeu é que pela primeira vez em muito tempo (não tenho memória) se concedeu crédito para comprar casa a pessoas cuja probabilidade de incumprimento estava muito acima do que era historicamente e, no entanto, quando se classificaram os produtos por nível de risco parai informar os potenciais clientes de produtos financeiros, foi indicado que os que continham crédito hipotecário sub-prime tinham o mesmo risco dos que tinham crédito à habitação prime (exemplo hipotético para facilitar a comparação). Ora esta informação à priori faz toda a diferença. Uma coisa é sabermos que o grau de risco indicado é… indicativo, outra é aceitarmos que ele seja sistematicamente mal determinado ou “indicado” aos consumidores.
    Não distingo esta situação enganosa de uma outra onde o banco diz que está a vender um fundo cuja carteira é constituida por obrigações do tesouro quando na realidade compra acções. Em ambos os casos é vender gato por lebre.
    Em suma, o problema está no facto de quem comprou os fundos não foi devidamente informado do verdadeiro risco associado ao produto. A “natureza” do mercado não pode justificar à priori todo o tipo de “incúrias”, ou pode?

  2. A informação à priori existia. O crédito hipotecário era à data da compra um produto de baixo risco. Isto é como eu comprar uma taluda de lotaria, e queixar-me que não posso receber um prémio improvável de sair. Isso quererá dizer que todos os premiados foram vítimas de uma infeliz mentira e incúria?

  3. O sub-prime nunca deveria ter sido vendido como sendo de baixo risco porque conjunturalmente “à altura” tinhas uma conjuntura económica se calhar nunca vista no passado. Pelo menos foi isto que me ensinaram na escola. Os factores de risco não desaparecem porque num dado momento a taxa de juro está no mínimo histórico. O que sucede é que naquele momento concreto há mais gente com capacidade de pagar um crédito, mas que num cenário de um crédito que demora décadas a pagar, a probabilidade de quem está no fio da navalha vir a cair em incumprimento é elevadíssima.

    O Filipe teria razão se o Banco fosse um leigo em matéria de aferição de risco. O que sucedeu com a crise do sub-prime não foi que “de repente” e sem que “ninguém o previsse” o mercado imobiliário entrasse em recessão ou que os devedores entrassem em incumprimento porque passou a ser desagradável morar numa casa. O que sucedeu foi que a banca de forma generalizada embarcou numa espécie de febre do ouro. O crédito chama-se sub-prime porque se sabe à partida que os devedores são pessoas muito mais vulneráveis a variações conjunturais. Uma subida do custo dos bens básicos, uma subida das taxas de juro, um aumento do desemprego, tudo isto se reflecte de forma ágil na capacidade de cumprirem com as obrigações.
    Perante um cenário conjuntural de juros muito baixos e vindo de um período de expansão económica, os bancos ignoraram ou fizeram por ignorar e deixaram na ignorância os seus clientes quanto à mais que evidente divergência entre os pressupostos de base dos colaterais (famílias ultra vulneráveis a pedir dinheiro)e o assumpção de compromissos de longo prazo.

    Agora diga-me lá Filipe, qual é que é o banqueiro honesto e bem formado, crente que não existem almoços grátis, que num estalar de dedos passava a ignorar o prémio de risco do sub-prime no momento de desenhar os seus produtos?
    Directamente, na Europa, esse problema não de colocou porque não é assim que se concede crédito. O problema surge por cá porque bancos europeus andaram a comprar por grosso dívida aos americanos que tiveram este critério mais laxista e que aparentemente muitos bancos Europeus não se procuraram em validar.
    Como é que se aceita que num dado momento da história se tenha decidido que deixou de ser relevante discriminar significativamente o risco associado a um sub-prime face a um não sub-prime? Essa informação para um leigo que acredita no que lhe vendem não existia à priori e é precisamente a constatação desse facto e da facilidade com que os banqueiros agiram em carneirada (ou por outras, surfando a onda) que deixará uma marca indelével na mente de muitos clientes bancários pelo mundo fora. Nem os banqueiros são tão sensatos e “in control” quanto tentam parecer, nem tão honestos como cremos (queremos) que sejam. Desleixo, incompetência e desresponsabilização são palavras que entraram em força no léxico quando nos referimos à banca depois desta crise.

    Por tudo isto faz imenso sentido que olhemos para a banca como meros vendedores de produtos de quem devemos exigir o mesmo tipo de garantias que exigimos aos restantes vendedores que há na economia.
    Voltando às metáforas, parece-me que andaram a vender carros muito usados como semi-novos sem sequer fazerem uma inspecção antes de os colocarem à venda.

  4. Então não queri mas…
    “Tudo o que sobe há-de cair” é tão previsível quanto isto. O tempo em que a onda vira é que é incerto.
    Nos últimos anos alguém se fez de esquecido e no passado que há-de vir assim será de novo. Talvez haja alguns menos tolos então, mas sem esta memória os tolos revelar-se-ão um recurso inesgotável. Daí esta conversa ser uma win-win situation.

  5. De facto, não se pode defender o indefensável, ou seja, a venda de um produto de risco como se não o tivesse ou fosse negligenciada, através da (des)informação veiculada ao consumidor. Aqui está mais uma boa oportunidade para que as entidades de supervisão, chorudamente pagas, devessem ter feito algo mais, mas nada feito!

    Numa economia de mercado a transparência, fiabilidade e coerência da informação sobre um dado produto é fundamental, embora muitos a tentem distorcer ao máximo, como que uma espécie de Midas que transformam escória em Ouro aparente, claro!

    Não pode ser assim, sendo-o está tudo mal, sem apelo nem agravo!

    Aguém devia responder cá e além Atlântico, em tribunal, e responder penal e civilmente, de preferência com uma passagem pela penitenciária, para mais tarde não se esquecer… Eu sei que é pedir muito, sobretudo, neste país!

  6. É bom de notar que, não raro, ter razão antes de tempo neste país é sempre um drama e gera incompreensões…

    É por essa e por outras que este tipo de produto inquinado nunca mereceu a minha consideração. Noutros sítios já discorri sobre o assunto, mas a Net e outrso espaços de debate são demasiado amplos para que todos possam lá chegar.

    Diz também um aforismo que pior cego não é o que não vê, mas o que não quer ver…

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