Crise jurídica ameaça papel de reguladores económicos

Suponho que perante esta notícia “Caso Carregosa põe em causa investigação da CMVM ao BCP” o título não seja alarmista. De bem entendo o que está em causa, o enquadramento jurídico das entidades supervisoras no que se refere precisamente ao seu poder de aceder, sem impedimentos, a informação das empresas supervisionadas, é uma faca de dois gumes levando a um paradoxo jurídico.

Por um lado, ninguém pode ser forçado a incriminar-se. É um direito que temos. Por outro, nenhuma empresa supervisionada pode recusar informação considerada relevante pelo supervisor. Então e se nessa informação relevante se descobrir matéria para abrir um processo contra-ordenacional ou mesmo criminal? Segundo o Tribunal de Pequena Instância de Lisboa, citando o Jornal de Negócios, “toda a matéria de prova recolhida no quadro da actividade de supervisão, seja documental ou com base em testemunhas, não pode ser aproveitada em futuros processos de contra-ordenação abertos contra a instituição supervisionada”. Aparentemente será assim porque a intituição foi obrigada a incriminar-se sem que estivesse em curso uma operação judicial mas apenas de supervisão (perdoem-me a incompetência na terminologia técnico-jurídica).

A pergunta que surge de imediato é linear: para que serve então a supervisão? Se esta interpretação judicial fizer lei (se vier a ser confirmada por instâncias superiores, por exemplo) uma boa forma de “limpar” um crime será apresentar todas as provas sobre este no decurso do trabalho regular de supervisão, de modo a inutilizá-las numa futura investigação criminal.

Os supervisores ficam limitados a “cheirar” as infrações? Mas se só obtêm o cheiro como podem depois convencer o ministério público a constituir os “mal cheirosos” como arguidos? E com que direito o podem fazer sem suspeita legítima e fundamentada de irregularidades, sem provas?

E como interpretar questões fiscais similares? Ninguém pode negar informação ao fisco, mas se eu der provas ao fisco dos meus crimes fiscais não ficaremos numa situação similar à que a juiza terá encontrado no caso acima citado? Ser supervisionado está para o tribunal como uma confissão sob coação?

Tudo isto me parece demasiado estranho. As regras do jogo estão há muito estabelecidas, o espírito da lei é bem claro, não dá para perceber (com a informação divulgada na notícia) este estranho evento. Por este andar nunca mais renovo o BI, se este me for pedido pela autoridade e estiver desactualizado voltamos à mesma questão, ou não?

2 comentários

  1. a resposta não é fácil, mas a solução será abrir o processo de contra-ordenação à primeira suspeita para pedir os esclarecimentos no âmbito desse processo, podendo obviamente a empresa escudar-se ao silêncio mas isso pode acontecer em qualquer processo de natureza criminal ou contra-ordenacional. Por outro lado, se calhar mais vale pagar a coima resultante da violação do dever de colaboração do que a outra coima resultante de práticas mais gravosas…será que podemos aplicar este racioncínio aos noivos que não ajudarem a DGCI?

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