As duas taxas de inflação do INE para 2006 – O caso dos dois gémeos falsos

As duas taxas de inflação do INE. Em meados de Outubro, como aqui foi destacado, o INE assumiu, ainda que sem entrar em detalhes, que eram necessários ajustamentos para o cálculo do IPC e, de forma arguta, como na altura foi aqui qualificado por um leitor, reviu a série e justificou a revisão como devia:

“(…) Estes ajustamentos, agora introduzidos, permitirão melhorar a reprodução das épocas de saldos e de promoções, adequando-se de uma forma mais apropriada ao disposto pelo Regulamento nº 2602/2000 da Comissão, de 17 de Novembro de 2000 sobre o tratamento das reduções de preços no IHPC e às normas aprovadas em Junho de 2005 relativas ao tratamento dos preços dos produtos de vestuário e calçado, designadamente quanto aos procedimentos de amostragem e de ajustamento de qualidade, com o objectivo de garantir a comparabilidade, fiabilidade e relevância do indicador.

A necessidade de informação real que permitisse a comparação dos dois métodos determinou que a revisão fosse apenas possível com o índice referente a Setembro de 2006.(…)”

Índice de Preços no Consumidor, Setembro de 2006, INE

11 dias depois surge esta novidade oriunda do mesmo INE:

“O Instituto Nacional de Estatística (INE) iniciou em Setembro de 2006 a publicação de dados do Índice de Preços no Consumidor (IPC) de acordo com uma nova metodologia (…) Tendo em conta, todavia, o princípio vigente da não alteração retroactiva dos dados estatísticos oficiais e face à necessidade de salvaguardar a expectativa dos utilizadores e a segurança jurídica, impõe-se que o INE continue a disponibilizar, em paralelo com a nova série, valores coerentes com a série que vinha a ser publicada. Assim, e até Dezembro de 2006, o INE irá manter a divulgação da sequência da série anterior. (…)”

27 de Outubro de 2006, Índice de Preços no Consumidor – Nota Informativa, INE

O que se passou entretanto?

Eis como fui acompanhando esta história que se complica e assume tão estranhos contornos.

O INE não mudou duas vezes de metodologia de cálculo do IPC no espaço de 9 (nove) meses. Pelo menos era o que se escrevia uns dias antes da publicação desta Nota Informativa.

O INE mudou de metodologia em Janeiro de 2006 conforme estava planeado. Entretanto, algo correu mal, talvez um simples erro de programação tenha congelado preços quando não devia e tenha passado incógnito a alguma laboriosa investigação durante algum tempo, ou talvez tenha acontecido apenas um capricho da estatística, ou talvez se tenha detectado uma aplicação inadequada da metodologia gizada – brinquemos com as palavras como quisermos. O que é certo é que a série a que o INE ia chegando mês após mês ao longo de 2006, aplicando uma metodologia internacionalmente reconhecida como superior à até então utilizada em Portugal, não convencia os economistas mais atentos, a começar pelos da casa, nomeadamente os que a utilizavam levando-os a introduzir correcções à série que se divulgou até Agosto (foi assim com as Contas Nacionais do 2º Trimestre como se descreve nas notas informativas, página 6). Sublinho que falo da mesma série descontinuada e corrigida em Setembro e que agora se retoma e apresenta como devedora de alguma credibilidade ao ponto da sua não continuação pôr em causa “as expectativas dos utilizadores e a segurança jurídica”. Sobre esta expressão final acrescento o seguinte: quanto às expectativas dos utilizadores internos e externos (atente-se nas estimativas da inflação para 2006 do Banco de Portugal) estamos conversados, relativamente à segurança jurídica recordo que já se publicou em Diário da República – e aqui se deu notícia – uma rectificação oriunda do próprio INE revendo o valor de referência para a actualização das rendas que havia sido inicialmente definido pela série terminada em Agosto e agora retomada em paralelo com a que originou a rectificação. Haverá agora uma rectificação à rectificação?

De tão inverosímil me parecer a Nota de 27 de Outubro, que “rectifica” o que se escreveu em devido tempo com a publicação de Setembro de 2006, fico a matutar a quem serve este espectáculo de fazer de conta que há duas séries com legitimidade de serem consideradas estatísticas oficiais. Séries que apresentarão sempre números substancialmente diferentes.

Sei apenas a quem não serve este espectáculo. Não serve à credibilidade do trabalho que eu e muitos outros por lá prestam. As outras contas ficam consigo, caro leitor. Podem ser muito interessantes, mas não têm nada a ver com as estatísticas oficiais.

Um erro é um erro, é um erro.

4 comentários

  1. Agora imagina estas notícias em termos de negociação salarial… Já vi alguns comentários que o INE teria sido limitado na data de publicação dos dados pelo Governo, para que só o fizessem (a revisão dos dados) quando as negociações salariais estivessem concluídas ou praticamente concluídas!!

    Penso que a bem de alguma estabilidade da imagem pública do INE, a instituição se deveria ter limitado à publicação dos dados revistos, que para todos os efeitos são os oficias, já que estão no âmbito das regras comunitárias a que Portugal está sujeito.

    A ver vamos, cenas dos próximos capítulos…
    Estou já a imaginar a reuniões entre os patrões e os trabalhadores. Ambos levam uma folhinha com os dados “oficiais”. Pode ser que consigam chegar a um entendimento e fazem a média aritmética dos dois valores. Mas de qualquer das formas parece-me sempre um “no win situation for anybody”.

    Um abraço!

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