O dia em que o banco lhe começou a pagar juros pelo empréstimo que lhe concedeu

Praticamente todos aqueles que têm ou tiveram um crédito à habitação em Portugal conhecem a euribor. Terão pelo menos uma vaga ideia de que é importante para definir quanto pagam de mensalidade no final de cada mês. A grande maioria dos créditos, em particular dos créditos à habitação (mas também às empresas) tem taxa de juro variável, indexada a alguma das taxas euribor (a euribor a 6 e a 3 meses são as mais populares). O que se paga no final de cada mês depende do valor desse indexante somado de um spread e da maturidade ou prazo  que determina a velocidade a que se terá de devolver o dinheiro emprestado.

Dito isto, que conversa é essa de “O dia em que o banco lhe começou a pagar juros pelo empréstimo que lhe concedeu“? Trata-se de uma afirmação provocatória para chamar a atenção para o nível historicamente muito baixo ou mesmo negativo a que estão a ser fixadas as taxas euribor no mercado (pelos bancos que determinam o seu valor). Esta semana, pela primeira vez na história, a euribor a 1 mês passou a ser negativa, por exemplo (-0,005% a 20 de janeiro). Negativa? Sim, quem eventualmente tivesse um crédito indexado à euribor a um mês, se tivesse um spread zero, uma moratória no pagamento do capital emprestado e não existisse no contrato nenhuma cláusula travão que impeça “cobrar” valores negativos, teria começado a receber dinheiro do banco em vez de o pagar. Recorde-se que, como já aqui dissemos em artigo anterior, já há bancos a “pagar” juros nominais negativos em alguns países da Zona Euro, pelo que tudo bate certo, a normalidade histórica parece está longe de regressar.

 Os valores negativos ainda não chegaram às taxas euribor mais usadas mas não andam longe. Em particular na euribor a 3 meses o valor a 20 de janeiro de 2015 andava pelos 0,055% e a seis meses pelos 0,142%. Não é impossível que passem a valores negativos como se vê. As justificações são complexas e as consequências a médio prazo não são seguras, em boa medida navega-se por mares desconhecidos no mundo das finanças internacionais. Parece-nos difícil imaginar que haja sustentabilidade no sector financeiro (ou na economia) com a manutenção de um cenário de retorno negativo, deflação, dívidas elevadas entre particulares, empresas e estados, manutenção ou reforço da desigualdade na distribuição dos rendimentos, tudo isto no meio daquilo que é já uma guerra cambial entre zonas monetárias.

Da perspetiva dos que conseguirem manter o emprego e o rendimento mensal, para já, são boas notícias, folgam as costas, mas os motivos para grandes celebrações podem ser exagerados. O futuro da economia mundial continua muito incerto e o potencial para catástrofe elevado. Hoje, por exemplo, o FMI vai, mais uma vez, dizendo que as perspetivas de crescimento mundial que haviam enunciado há três meses para os próximos anos foram de novo revistas em baixa. E andamos nisto.

Rui Manuel Cerdeira Branco

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