Dação em pagamento: o exemplo julgado em Portalegre (atual.)

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Desde já um aviso, quem vos escreve não é jurista apenas um leigo que resolveu ir além dos  títulos e ler a sentença do tribunal de Portalegre relativa a uma disputa sobre incumprimento de crédito à habitação (pode consultar a sentença aqui). Esta sentença está a merecer particular protagonismo mediático porque está a ser interpretada como uma situação onde o tribunal impôs que se reconhecesse a entrega do bem imóvel que servia de garantia ao empréstimo à habitação contraído como meio bastante para liquidar a dívida garantida pelo dito imóvel. Mas há algumas especificidades neste caso que convém não esquecer e pode complicar a generalização.

Eis o que entendi do caso com números inventados:

  • Um cliente bancário contratou um crédito de 100 para comprar uma casa tendo acordado prazo, indexante, prémio de riscos (spread) e garantia (a própria casa a comprar) com o banco.
  • Ao deixar de conseguir pagar foi-se formando dívida adicional (as prestações, os juros e penalizações associados, etc).
  • Chegou-se a um ponto em que o valor em dívidas já não era de 100 mas de 112 e decidiu-se vender o imóvel para em hasta pública.
  • Na preparação da venda usou-se como referência o valor patrimonial do contrato (os 100) e aceitou-se que o imóvel pudesse ser licitado por menos 30% ou seja por 70.
  • O imóvel acabou por ser vendido precisamente ao valor mínimo, os 70. Quem comprou? O próprio banco credor em favor do qual revertia o resultado da venda.

E é aqui, nesta singularidade, que alguns dos aspetos deste tipo de processos terão chamado particular atenção do juiz que, não duvidando da legalidade estrita do processo, invoca alguns preceitos da sua função para defender que pode estar em causa uma relação desequilibrada, um potencial enriquecimento ilícito por parte do banco e, no fundo, um maus exercício da justiça. Apesar dos aspetos singulares associados a esta compra em causa própria, há argumentos do juiz que podem ser generalizados, nomeadamente, o facto de estabelecer que é o credor quem define o valor patrimonial e o valor que aceita emprestar contra garantia.

O que decidiu o juiz? Que, apesar de o imóvel só ter sido vendido por 70 este liquida a dívida total que estava a garantir, ou seja, os 100 permanecendo os devedores responsabilizados por tudo o que esteja em dívida que supere os tais 100 que eram garantidos pelo imóvel. Ou seja, dos 112 em dívida o juiz determinou que devessem pagar 112-100 logo 12 e não os 112-70=42 demandados pelo banco.

Será o caso adequado para que se possa generalizar a prática jurídica de que a dação do imóvel garantia em pagamento salde a totalidade da dívida ainda existente que esteja coberta pela garantia? Temos alguns dúvidas, mas  o que é certo é que estabelece alguns argumentos que poderão auxiliar decisões nesse sentido.

Se em vez de a aquisição ter sido efetuada pelo banco credor tivesse sido feita por outrem como se poderia deliberar de forma diferente? O imóvel nesse caso já valeria os 70 e a dívida a liquidar já seria de 42?  E se a hasta pública tivesse ficado vazia? O imóvel seria avaliado a valor zero? A própria natureza de um bem imóvel (o nome ajuda nessa compreensão) faz reconhecer que não é um bem com uma liquidez tão elevada quanto um saco de batatas, característica que deve ser tida em conta no ato da sua avaliação patrimonial para uso como garantia num contrato de crédito que, por vezes, atinge os 30, 40 ou mais anos.

De uma perspetiva económica, parece agora evidente que a concessão de crédito a 100% do valor do imóvel que passou a ser prática corrente pelas instituições financeiras nos últimos anos antes do rebentamento da bolha, não foi uma prática prudente e avisada a médio prazo, não surpreendendo que hoje tenha sido largamente revertida e complementada com critérios de avaliação mais restritivos e definição de prémios de riscos (spreads) mais elevados.

Caberá aos juristas e aos juízes, em particular, prenunciarem-se (e provavelmente, não sei se com felicidade, ao poder político) sendo certo que no direito português não há automatismos de sentença por via da jurisprudência existente, como aliás bem sublinha o próprio juiz deste caso que, a dada altura, parece reconhecer que foi ele próprio contra a jurisprudência dominante.

O que é a jurisprudência? Clique aqui para obter uma definição.

Um comentário

  1. Numa situação destas em que é o próprio banco quem fica com a casa vendida em hasta pública, como deverá o contribuinte referir isso no IRS?

    Preenche o modelo B?

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