Cuidado! Uma obrigação não é um depósito e a taxa líquida… não consta

Num depósito a prazo, retiram-se os 28% de IRS ao juro bruto anunciado (TANB) e o imposto de selo sobre os juros e obtém-se a taxa anual nominal líquida (ou outra similar). É relativamente simples, tão simples que quem vende depósitos apresenta obrigatoriamente a taxa bruta (TANB) e a taxa líquida (TANL) na publicidade que faz. Mas uma obrigação não é um depósito! Nas obrigações é tudo muito diferente  e mais complicado. Senão vejamos:

  • Comissão de custódia de títulos,
  • comissão de corretagem,
  • comissão de reembolso,
  • comissão de subscrição,
  • comissão de pagamento de juros e cupões,
  • portes,
  • imposto de selo,
  • IVA e,
  • claro IRS.

Estas são algumas das comissões e custos possíveis a abater à taxa de juro nominal bruta que o caro leitor encontra em grande destaque nas publicidades às emissões obrigacionistas em curso.

Com exceção da fiscalidade, as restantes comissões e encargos podem variar de intermediário financeiro para intermediário financeiro, querendo isto dizer que, apesar das obrigações da empresa Xpto terem a mesma TANB em qualquer banco que a venda, o custo associado ao seu investimento pode ser muito diferente de banco para banco.

Na prática, isto complica a apresentação de uma taxa anual nominal líquida, por exemplo, na publicidade feita por quem está a pedir-lhe dinheiro emprestado (a empresa Xpto). Afinal, a dita empresa não sabe quais serão, de facto, esses custos cobrados por cada banco. Ainda assim uma advertência clara a este facto devia constar da publicidade, infelizmente o regulador decidiu que bastava remeter o investidor para a leitura do prospeto.

Ainda assim, quem lhe vender as obrigações devia ter a obrigação de lhe apresentar, numa folhinha bem simples e legível, qual a taxa anual nominal líquida que poderá esperar obter com o seu empréstimo obrigacionista caso o mantenha até ao fim.

Perante essa hipotética folhinha, poderia então, o caro investidor, comparar com a taxa anual nominal líquida de um depósito a prazo. Talvez então tivesse uma surpresa tão redonda quanto a taxa inicialmente oferecida, ou não.

Além disso (alongar-nos-emos em artigos posteriores) o risco associado a uma obrigação é habitualmente superior ao associado a um depósito bancário. Por exemplo, a menos que haja dolo na venda das obrigações, o investidor não terá qualquer proteção em caso da empresa a quem emprestou dinheiro abrir falência ou entrar em incumprimento parcial deixando de, por exemplo, remunerar ou amortizar os empréstimos obrigacionistas.  Aqui não há um fundo de garantia de obrigações. Por outro lado, o resgate antecipado da obrigação pode ser complicado, tudo depende da existência ou não de um mercado (dito secundário) no qual haja quem compre e venda regularmente esses valores mobiliários da empresa Xpto.  Ou ainda, do contrato que fez com quem lhe vendeu as obrigações e que pode determinar que o intermediário financeiro lhe recompre os títulos mediante algumas condições e a um determinado preço.

Posto isto, é natural esperar que uma obrigação tenha um retorno efetivo superior a um depósito a prazo, dependendo esse prémio adicional do grau de risco que o investidor considera associado à empresa contreta que lhe está a pedir dinheiro. Por exemplo, já tivemos recentemente empresas nacionais a pagar mais de 10% de TANB nas suas obrigações, precisamente porque a percepção de risco é elevada.

Deve então o investidor emprestar ou não dinheiro  às empresas via obrigações?

Não nos compete a nós dar conselhos de investimento dessa natureza, particularmente conselhos especializados para cada oferta em curso. Essa função deve ser exercida por agentes acreditados junto da CMVM.

Podemos contudo ajudar os nossos leitores a terem consciência daquilo que deverão saber em termos genéricos, daquilo que devem conhecer com detalhe antes de tomar uma decisão. Há que evitar sair de algum centro comercial, com uns quilos de gato quando se julga ter comprado coelho, tenha a compra sido feita no talho, na loja de telecomunicações ou em qualquer outro sítio onde não é suposto venderem gato às fatias.

Um último conselho. Tem dúvidas sobre o que é uma obrigação, quais os riscos ou acha que não lhe foi prestado o esclarecimento devido quando tentou comprar as ditas? Não se esqueça que há um regulador de valores mobiliários com responsabilidades ao nível da literacia financeira. Ponha-o a cumpri a sua missão, prestando-lhe o serviço de apoio ao pequeno investidor que se compromete a oferecer. É também para isso que quem está no mercado paga as respetivas taxas de supervisão. Cabe-nos a todos reduzir drasticamente o desequilíbrio no nível de literacia entre quem faz intermediação financeira e quem é ou pode vir a ser um investidor nacional.

Não se esqueça, você é o principal interessado no retorno do seu dinheiro. Informe-se, seja crítico.

Bons negócios!

(Atualizado a 6 de agosto de 2014)

4 comentários

  1. Muito bom e esclarecedor este artigo.
    Efectivamente existem diversas oportunidades a nível de obrigações no mercado, algumas com taxas de juro de tal forma atractivas que incentivam a compra. Todavia estão a ser vendidas como investimentos seguros junto dos clientes sendo estes informados que são garantidas. É certo que a garantia é do emitente o que nao deve ser confundivél com a garantia dos depósitos.
    Como é habitual a informação financeira não chega rápido a todos levando muitos a subscrever estas emissões acreditando que estão garantidos.

    Muito cuidado com a oferta existente e com a informação que é transmitida.

    Cumprimentos,
    João

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *